Tuesday, February 5, 2013

Dona Ursulina


Quando me propûs a escrever blogs sobre os meus ex-professores do Colégio Macedo Soares em São Paulo, quis fazer uma homenagem àqueles professores cuja influência na minha vida foi benéfica. Alguns por sua ética de trabalho, outros pelo entusiasmo e ainda outros pelo zelo e amor com que realizavam o trabalho mal remunerado. Em suma, gente que realmente influenciou minha vida de forma positiva, que me ensinou mais do que a disclipina acadêmica.

No meio do caminho, muitos ex-macedianos me cobraram textos sobre alguns professores que não faziam parte da minha curta lista. Ou seja, professores que não me influenciaram positivamente, que não considerava muito iluminados e cuja ética de trabalho, por diversas razões, era questionável. Mas tem alguns que são tão figuraços que é necessário mencioná-los para a posteridade.

Dona Ursulina. Não conheço nenhuma outra pessoa com esse nome, de repente era único dela. E certamente, houve poucas pessoas como a nossa exótica Ursulina. Lembro-me claramente dela entrando na sala da quinta série para se apresentar. Já com uma certa idade, vestia-se com claro desleixo estético assombroso, mesmo na época dos hippies, e maquiagem multicromática.

A primeira tarefa foi curiosa. Fez todos alunos comprarem (dela, obviamente) pequenas tiras de curvim para fazer marcadores de livros, pela bagatela de Cr$0.50. Só aí deve ter ganho o salário de um mês, multiplicando-se pelas centenas de alunos da escola. E de vez em quando repetia a dose, vendendo preciosos materiais para tarefas. Ursulinadirect.com.

Nossa estranha Ursulina tinha comportamentos sui generis, como trazer sanduíches de omelete embrulhados em jornal. Demonstrou um lado moralista que poucos conheciam. A professora de desenho foi escalada para acompanhar os alunos à Expo-Ex (Exposição do Exército) de 1972, e ficou muito indignada quando os alunos cantaram com vigor pueril, no ônibus, "Araruta, araruta, ê, ê, filha..." O resto dá para imaginar. Deu zero para todos alunos da classe. Pelo menos não entregou os alunos ao DOPS ou ao Para-SAR. Ocorre que eu e meu irmão não fomos nessa excursão, pois já tínhamos ido à tal Expo-Ex, mas ainda assim levamos o redondinho e rubro zero. Foi a única nota vermelha do coitado do meu irmão na sua carreira acadêmica, e os protestos fundamentados da minha mãe não foram ouvidos.

Uma vez agradei a Ursulina. Durante as férias de inverno de 1971, tivemos a tarefa de montar diversos poliedros, inclusive impossíveis dodecaedro e icosaedro, e enfeitá-los. Como o papelão era verde, fiquei um pouco frustrado com o resultado da pintura. Resolvi então cortar as faces de alguns poliedros, e coloquei dioramas miniaturizados dentro deles, com temas diversos, inclusive automobilismo. Ela ficou impressionada com minha criatividade.

Dois anos depois, a tarefa da pequena turma era criar um jornal. Quase todos alunos faziam a mesma coisa. Compravam exemplares da enciclopédia "Mestres da Pintura" para agradar a mestra e fingir que também gostavam dos clássicos das artes plásticas e colavam fotos dos quadros página após página, com artigos de outras publicações. Nada de material original. O 'jornal' era então circulado na classe até aparecer o exemplar seguinte. Achei tudo isso muito bobo, e fiz um jornal mesmo, escrevendo matérias sobre automobilismo, rock (com minha própria parada de sucessos), e sobre países distantes como Kuwait e Noruega. Resisti à tentação de colocar obras do "Mestres da Pintura", mas confesso que não me lembro da nota que levei pelo meu debut editorial.

Na realidade, embora eu gostasse muito de desenhar e de artes plásticas em geral (diziam que eu era bom), dona Ursulina não me incentivou o suficiente para "seguir carreira" ou aprimorar minhas técnicas. Depois de três anos de Dona Ursulina, eu já estava bem afastado do desenho e artes em geral, e só agora, quase quarenta anos depois, volto a namorar as nobres artes plásticas.

Do lado positivo, não embrulho sanduíches de omelete em jornal.

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